sábado, 15 de junho de 2013

Liberalismo cínico



Liberté, Fraternité, Egalité! Eis o ideário que fez homens célebres lutarem a favor de um novo sistema. Sistema que fosse capaz de destruir um velho modelo baseado na exploração e supressão da liberdade. Um sistema progressista que defendesse a liberdade e os direitos, a democracia e a moral. Para trás deixaria as antigas relações de desiguais, a submissão baseada no medo, a exploração sem disfarces e o horror de toda miséria atribuída aos ‘vagabundos’. O capitalismo nasce, então, liberal. Sucessor da decadência do regime econômico mercantilista e do surgimento da burguesia, seus postulados principais são a livre iniciativa e a livre concorrência em princípio sem qualquer interferência do Estado. Contra o sistema mercantilista, os fisiocratas no séc. XVIII pregavam um sistema de economia livre, natural e espontânea, sem intervencionismo e sem barreiras, estimulando o comércio e a produção de riquezas – "laissez-faire, laissez-passer, laisser-vivre”.
A propagação da justiça social e a libertação da economia do despotismo e interesses particulares são justificativas para a implantação de um modelo progressista que se idealiza com os pensamentos de Rosseau e Smith. A princípio uma relação virtuosa e sem contradições, como analisa Robert Castel. A união da liberdade natural do indivíduo e a submissão ao coletivismo como condição de igualdade social seria perfeitamente compatível com a ideia defendida por Smith:
"Todo homem, contanto que não viole as leis da justiça, deve ter plena liberdade para buscar seu próprio lucro como lhe agrade, dirigindo sua atividade e investindo seus capitais em concorrência com qualquer outro indivíduo ou categoria social".
Em defesa do liberalismo, Adam Smith sustenta a ideia que a riqueza das nações resulta do trabalho dos indivíduos que, seguindo seus interesses particulares, promovem, no conjunto, a ordem e o progresso da nação. Para Smith, ao contrário dos mercantilistas, não havia necessidade de o Estado intervir na economia, pois ela seria guiada por uma ‘mão invisível’, isto é, pelas leis naturais do mercado. Essas leis seriam a livre concorrência e a competição entre os produtores as quais determinavam o preço das mercadorias e eliminavam os fracos e os ineficientes. Assim, o próprio mercado regulamenta a economia trazendo a harmonia social sem a necessidade da intervenção da autoridade pública.
O fato é que certa lei, a de Say, vigorou com força de uma doutrina inquestionável porque confirmada pela realidade. Toda oferta criava sua própria demanda. A teoria validada pela evolução dos fluxos econômicos não deixava margens para contestação, embora um brilhante matemático, John Nash, já havia defendido em tese que seria caótico agirmos racionalmente seguindo o princípio do egoísmo – garantidor do equilíbrio entre a oferta e a demanda. Também as advertências de Keynes não surtiram efeito. O pai da macroeconomia advertiu sobre a fragilidade do pressuposto clássico, defendendo que a moeda não era um elemento neutro na esfera da circulação. A especulação e o entesouramento estéril representavam vazamentos de renda que se desviavam da circulação e, desse modo, a produção não seria capaz de gerar automaticamente sua própria demanda nem garantir o pleno emprego. No entanto, suas ideias só germinaram após a crise de superprodução de 1929 onde ficou claro que não havia mercado (consumidores) para toda a produção. A partir de então, o governo deveria incentivar o investimento, através da ampliação dos gastos públicos que gerariam emprego e renda, aumentando o consumo e os mercados que, por sua vez, incentivariam a indústria, gerando mais empregos etc., gerando, assim, um círculo virtuoso necessário para a manutenção do crescimento da economia.
Parecia um campo favorável a um ambiente de pós-guerra, onde os investimentos públicos seriam ferramentas indispensáveis de reconstrução e o amadurecimento econômico dos países criavam expectativas superiores na sociedade para além dos ganhos econômicos e desejavam, sobretudo, o aumento do bem-estar social. Dessa maneira os investimentos e os gastos públicos derivaram aumentos consideráveis nas taxas de crescimento dos países que implantaram as políticas keynesianas, mas, por outro lado, o custo da manutenção do pleno emprego e do welfare State constituiu-se num montante espetacular de dívida pública e outros efeitos colaterais como a inflação.
Como um movimento reacionário, mas não doutrinário, o neoliberalismo toma corpo com a crise capitalista de 1970. Seja por Hayek, seja por Friedman, o fato é que não há concordância de que o neoliberalismo seja o renascimento do liberalismo econômico clássico defendido pela liberdade individual, livre concorrência e a propriedade privada. Da mesma forma que, para nós, o iluminismo não se manifesta essencialmente no liberalismo econômico. O que se observava era a necessidade de uma profunda transformação diante de um socialismo decadente, um Estado totalitário e um campo econômico impotente para acréscimo de excedentes criadores de riqueza – talvez porque o grau de compartilhamento não fosse suportado pela lógica do crescimento capitalista…
Quando a primeira ministra Margaret Thatcher acirra o debate sobre a incoerência entre a liberdade de ação individual e a proteção estatal, os clamores dos grupos de esquerda e correntes heterodoxas anunciaram o revigoramento das forças do velho liberalismo adormecido. Desta vez, não mais como um movimento iluminado pelas ideias revolucionárias, mas por forças reacionárias, conspiratórias que tentavam impedir a planificação econômica – condição sine qua non para o avanço da classe trabalhadora e a libertação do homem das amarras da lógica capitalista, segundo algumas correntes marxistas.
É nesse cenário que cenas emblemáticas e factuais surgem como conspirações e aliciamento dos países subdesenvolvidos para embrenharem-se na lógica do capitalismo, colaborando com um vigoroso mercado consumidor que absorvesse o escoamento da produção para além das fronteiras do mercado consumidor saciado dos países desenvolvidos. Temos então o Consenso de Washington que de uma maneira didática distribui sua cartilha de bom comportamento econômico como um receituário para sair do lamaçal da miséria, da inflação e do descontrole fiscal.
O encolhimento do Estado, em nome da eficiência mercadológica, ocasionou a proliferação de agências e órgãos reguladores com o objetivo de fiscalizar o mercado. O Estado se assume ineficiente operando o sistema produtivo e transfere para a força empresarial o direito de produzir bens e serviços essenciais. É verdade que funcionou aqui a lógica liberal. Contudo, o Estado deixa de produzir, mas não deixa de arrecadar. Certamente que a perda dos ganhos das estatais foi mais que compensada pelos ganhos tributários, porém foram, de certa maneira, canalizados para outro formato de Estado regulador. A ineficiência no produzir deu lugar à eficácia em tributar.
Se por um lado a produção paga pela ineficiência do Estado, por outro lado o consumo deve pagar pelo não consumo dos incapazes. É assim que parece funcionar a lógica da tributação descrita como o mecanismo de justiça distributiva. Os detentores do meio de produção capital compensam os não detentores; os detentores do fator de produção força-de-trabalho compensam os não detentores chamados de incapazes; os detentores do poder de consumo compensam os excluídos do mercado que devem ser reinseridos pelas transferências de renda. Há também as compensações dadas aos detentores de capital e operantes menos eficientes. Os fracos são acolhidos pelo colo generoso do Estado via subsídios, além de outras medidas compensatórias como quotas, aliviando o peso da mão invisível e a pressão do mercado.
Por sua vez, a lógica liberal é sem dúvida preciosa em seus objetivos: a liberdade de cada um sendo orientada pelos ganhos da coletividade, o interesse individual passa a ser garantidor dos benefícios coletivos. Cada um visando seu interesse, a mão invisível decreta que qualquer ação externa inibidora da liberdade prejudicaria sua lógica e, portanto o seu funcionamento. Nesse sentido a pesada mão do Estado levaria ao benefício setores e agentes em detrimento de outros, salvando a uns, matando outros e levando ao colapso a lei soberana da oferta e demanda. Ao Estado, as mazelas; ao Mercado, os lucros; ao trabalhador, o consumo (e os impostos!).
O que poderia estar errado nessa conclusão? O que pode estar errado em se defender uma economia livre e eficiente na geração de excedentes que serão aproveitados pela coletividade? Quem poderia negar a necessidade da propriedade privada na manutenção dos interesses individuais e do prêmio econômico pelo mérito de cada um? Quem ainda contestaria a eficiência da livre concorrência para determinação dos níveis de preço?
Apenas uma religião formada por marxistas rancorosos que desejam transferir para o Estado uma função que cabe à eficiência empresarial. Que desejam, sobretudo, atribuir poderes ao Estado para que reja a vida e o comportamento dos indivíduos. Que sonham em abolir a propriedade privada em nome da incompetência de muitos. Que defendem que somente o Estado poderá devolver aos proletários o que lhes foi expropriado – a mais-valia. Ora, essa raça ingênua não percebe que esse caminho seria o da ditadura, do colapso da economia e do mau aproveitamento da riqueza acumulada pelo capitalismo. Esses ingênuos comunistas não percebem que a ditadura do Estado é ainda mais dura que a ditadura do capital porque já provou ser ineficiente no gerenciamento do sistema produtivo e inábil na condução de políticas fiscal e de rendas. Que aguardemos o bolo crescer para que o distribuamos. Que aceitemos a veracidade da existência do pleno emprego, mascarado de desemprego pelos excessos de regulamentação trabalhista. Não permitamos que a corrupção dos governos subtraia o poder do mercado em produzir riqueza e que a liberdade individual não seja cerceada pela imposição de um sistema arrogantemente moralizador.
Este de fato parece ser o discurso do novo liberalismo. Novo porque não se trata daquele defendido pela Revolução Francesa. A economia não dá conta da vida dos indivíduos, os tratam como agentes econômicos, simplesmente. A economia não pode dar conta do ideário filosófico defendido pelos iluministas do século XVIII, como sabemos a economia não faz juízo de valor. Ela não ambiciona e não pode ambicionar orientar-se pela ética, como disse Friedman (1970): é preciso deixar os problemas éticos a cargo do próprio indivíduo. Então os deixamos e imediatamente somos convidados a presenciar o resultado de uma liberdade seletiva. Convidam-nos a atentar para a veracidade das formas de eficiência dos empresários e mercados. Convidam-nos enfim a conhecer a lógica do capital financeiro que sustenta toda a ‘eficiência’ econômica da produção real.
Quanto mais liberdade, maior o desenvolvimento! Quanto menos intervenção, maior a eficiência do mercado! Essas são as palavras de ordem dos defensores do liberalismo econômico. A mão invisível de Adam Smith ganha braços, pernas e tronco, mas jamais a cabeça é despontada porque boa parte dos libertários parecem ainda sofrer de cegueira e, em muitos casos anencefalia. Liberdade, sim! Eficiência, sim! Riqueza, sim! Mas a que preço? É o que pedimos explicações aos ‘economistas liberais’ de onde ouvimos dizer cinicamente que a miséria não deveria ser problema dos economistas.
Explica-se o funcionamento da economia a partir de dois fluxos interdependentes (ao menos deveriam ser). O fluxo interno é a economia real do intercâmbio produtivo entre famílias e empresas, daí originando a riqueza de um país medida em termos do PIB. Em outras palavras é onde as pessoas, à medida que produzem, terão que pagar pelo produto produzido. Para facilitar as transações e os diversos interesses, a economia moderna instituiu a moeda como meio de troca: trocamos mão-de-obra por salários, trocamos salários por alimentos, trocamos lucros por capital, trocamos juros por bens etc. Para que tudo funcione em perfeito equilíbrio, temos de considerar que a moeda possui uma função neutra, ou de outro modo, embora seja ela considerada uma mercadoria universal, capaz de fazer equivalência com todas as demais mercadorias, ela não poderia ser retida, impedindo ou retardando a circulação. Também temos que admitir que os salários e aluguéis das famílias serão convertidos em consumo e poupança em proporções desejáveis (não admitiremos aqui o paradoxo da parcimônia, apenas entenderemos que exista níveis desejados entre consumo e poupança para a formação de capital). Por suposição, as firmas usariam os excedentes em forma de lucro para a formação bruta de capital fixo, ou seja, novos investimentos que impulsionariam a economia rumo a um círculo virtuoso de investimentos, emprego, renda, consumo, lucros etc. Acreditaremos ainda que o termômetro dessa economia medida em termos monetários a partir da produção de coisas consiga efetivamente medir a riqueza de um país e que esta riqueza possa ser traduzida em bem-estar social quando a dividimos em termos per-capita.

O fluxo monetário seria, simplesmente, o resultado financeiro da interação entre os agentes e suas operações. Ou seja, a renda seria a remuneração dos fatores de capital como salários, aluguéis, juros e lucros. Através desse fluxo fazemos com que o círculo da atividade econômica gire, facilitando as trocas e traduzindo os resultados da produção e consumo em fluxos monetários.
É quando ocorre um descolamento e independência desses dois fluxos e o capital financeiro assume importância superior ao capital produtivo que percebemos a fragilidade do funcionamento da economia. Se assim não fosse, qual a origem das grandes crises de 1929, de 1970, de 2008 se não movimentos de especulação? E este foi o parâmetro demonstrado por Keynes para a insustentabilidade da teoria clássica, ou lei de Say: não há qualquer garantia que os saldos monetários advindos da economia produtiva sejam nela mesma injetada, seja por meio do consumo, da poupança ou do investimento. A especulação e o entesouramento estéril passariam a ser constante numa economia orientada pelo mercado.
Sabe-se que atualmente o saldo monetário, em termos de liquidez imediata, representa pouco mais de 3% do montante de ativos financeiros transacionados. Significa dizer que, pelo menos, 90% dos ativos financeiros possuem fraca ou nenhuma relação ou interdependência com a economia produtiva. Não é difícil constatar que a grande movimentação dos ativos financeiros fica por conta de mecanismos especulativos – legalizados ou não. Poucos se habilitam a discutir os parâmetros das reservas fracionárias (multiplicador monetário). Poucos se atentam para o fato de que qualquer moeda emitida é originada de uma dívida correspondente. Poucos questionam como os bancos cumprem com suas obrigações financeiras e se as garantias reais declaradas em seus contratos existem de fato. Poucos questionam a inconstitucionalidade dos juros exorbitantes cobrados em contratos que podem ser invalidados pela ausência de contrapartidas reais. O poder de penetração desses movimentos é que parece ser mal dimensionado.
Contudo o que nos move é demonstrar a falácia da liberdade de ação nos mercados que justificaria uma omissão ou até mesmo redução quase que total do Estado ou de um agente regulador. A economia é baseada em modelos hipotéticos onde estes seriam o campo ideal para a aplicação dessas leis. A própria lei da oferta e demanda só é válida num mercado de concorrência perfeita. Isso quer dizer que quanto mais os mercados se afastam da perfeição concorrencial esboçada nesse modelo, menos poder real possui essa lei. A verdade é que mercados de concorrência perfeita não existem de fato, provando que o poder dos mercados, cuja lei não os atinge, aliado ao poder do capital financeiro que se agiganta, passa a controlar não só as necessidades e desejos dos consumidores, mas ainda subordina os Estados a uma dependência irrevogável. Certamente não há como ignorar o papel destes na formação desses oligopólios, mas seria ingenuidade acreditar que é ele, o Estado, a única força que o levanta. Onde estão os pressupostos válidos da liberdade de mercado onde este é formado por modelos concorrenciais que não são obedientes ao jogo da oferta e demanda simplesmente porque a podem manipular e sobrepuja-la?
A presença de monopólios e oligopólios inibe qualquer indicativo de preços e quantidades ofertadas eficientes. Ao contrário, impõe seus preços e determinam o nível de oferta estrategicamente. A situação piora quando observamos as práticas predatórias, cartéis, trustes e outras formas de fusões e incorporações disfarçadas no intuito de controlar o mercado. Onde está a liberdade dos agentes? Onde a equivalência dos interesses entre produtores e consumidores? A ditadura dos monopólios por força de lei e dos oligopólios por força do capital financeiro parece equivaler-se e invalidar o pressuposto de liberdade.
Para que possamos compreender um pouco mais a influência dos jogos especulativos em aplicações do capital financeiro na produção real, podemos começar com a base de produção da economia: os alimentos. A produção de alimentos é hoje controlada por um grupo de empresas poderosas que, aquém das práticas de moral duvidosas, focaremos apenas os aspectos econômicos. Vejamos a pesquisa realizada pela Fundação Gates sobre o controle dos preços dos alimentos pelos bancos, por intermédio dos fundos especulativos (hedge) e o leitor poderá avaliar o impacto de tal ação e responder sobre o nível de liberdade existente nesse contexto aparentemente controlado pelas sazonalidades e intempéries naturais.
Como os bancos lucram com a fome no mundo
Claro fica que é o capital financeiro quem determina os níveis de preço e também da produção. Onde a liberdade de ofertar e demandar de acordo com os interesses? Não é um jogo de interesses, mas de interesses x necessidades.
Em todas as crises pudemos constatar que a motivação nunca foi a escassez. Todas as escassezes presenciadas foram artificiais, seja por conta do controle da oferta, seja pelos estoques especulativos, seja mesmo pela destruição deles para assegurar preços contratados ou esperados. A liberdade de se fazer com o próprio produto o que se bem entende é possível admitir, mas onde está a liberdade do consumidor? Onde está a liberdade dos que tem fome, dos que morreram e ainda morrem porque as multinacionais ou grupos corporativos liderados pelo capital financeiro tratam alimentos com a mesma frieza com que contam suas moedas? Onde a liberdade num universo em que se acredita ser essa fome o resultado de uma escassez com requinte malthusiano?
Não são os pobres os que mais necessitam do Estado: é o próprio mercado, é o próprio capitalismo. Não há liberdade na economia capitalista. Nós trabalhadores não caminhamos diariamente aos nossos postos de trabalho voluntariamente e, muito menos, felizes. Somos obrigados pela lei da sobrevivência. Nós consumidores não pagamos de bom grado o preço das mercadorias porque sabemos o jogo ‘mercadológico’ que alimenta a alta ou baixa dos preços. Somos convictos da exploração do trabalho por detrás das grandes marcas. Reclamamos da carga de impostos que nos impõe, mas pouco se sabe sobre os acordos industriais e dos custos efetivos da produção e que boa parte desses impostos é para a manutenção dos lucros econômicos. A liberdade e a transparência de mercado é uma idealização de um modelo hipotético, não real. O poder do Estado aliado ao poder da indústria confere à economia uma ditadura que se disfarça por uma pseudoliberdade, isso sim é verdadeiro, mas julgar que a ausência de liberdade é fruto de intervenção do Estado parte da mesma lógica que faz criticar um programa de transferência de renda e calar-se diante do salvamento de instituições financeiras.
Os que apelam à liberdade pelos mecanismos ortodoxos ignoram os artifícios de um mercado cuja mão que o regula parece ser tão suja quanto a corrupção dos governos. A mútua dependência entre o mercado e os governos descaracteriza qualquer pressuposto de liberdade. O capitalismo não se sustenta pelos seus pressupostos. A extensão da mais-valia denuncia sua limitação que se oculta e ao mesmo tempo se compensa pela capacidade tecnológica e economia do conhecimento. 
A economia que deveria resolver os problemas relativos à escassez, hoje a cria.
A economia que tem como pressuposto a liberdade, tem o lucro como produto da sujeição.
A economia que se sustenta por modelos dados como perfeitos, assegura em seus pressupostos a perfeição como hipotética.
A economia que utiliza a condição coeteris paribus para validar seus modelos, ignora a própria condição humana.
A economia que define a ética como problema individual, submete a moral e a subjuga aos seus próprios termos.
A economia da livre concorrência que submete os interesses individuais aos coletivos ilude-nos com a equivalência de forças entre produtores e consumidores.
A economia do homo oeconomicus que garante a racionalidade como arma do bem-estar, reduz o humano a um agente de mercado.
A economia que tem como objetivo máximo a satisfação das necessidades humanas, as tornam infinitas e insaciáveis.
A mesma economia dos desejos humanos perpetua a luta pela sobrevivência.
A economia da sobrevivência reduz a vida ao trabalho e o trabalho à sua razão primeira.
A economia do trabalho como dignidade humana é a mesma da negação das capacidades e talentos.
A economia da indústria é aquela que corrompe talentos e os subordina às suas técnicas como instância máxima de sucesso.
A economia da fraternidade e da igualdade faz a ditadura parecer democracia.
A economia livre é, pois, uma utopia corrompida não somente pelos governos, pelos monopólios, oligopólios e especulação financeira, mas pelos próprios meios de atingir tal liberdade...

Liberté, egalité et fraternité, utopie...