quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O que é a Crise Econômica Brasileira



O país está em crise! 

Este é o resultado de uma pesquisa realizada em abril de 2015 onde 87% da população ouvida acredita que o Brasil está em crise. Segundo o instituto que realizou a pesquisa, o Ibope Inteligência, “o principal motivo para os brasileiros dizerem que há uma crise econômica no país é o aumento dos preços dos produtos e serviços (inflação), mencionado por 56%. Outras razões apontadas pelos entrevistados são: corrupção (34%), elevação dos juros (28%), desemprego, já que 19% conhecem alguém que perdeu o emprego e mais 8% dizem que eles próprios já estão desempregados, e alta do dólar (13%), entre outros”.
Inflação, Corrupção, Juros, Desemprego e Dólar. Este seria o placar da crise, mas afinal a conjuntura atual é mesmo um cenário de crise econômica? Será que sabemos o que caracteriza uma crise econômica?

 A fim de evitar substituir as opiniões por outra recorremos ao Novíssimo dicionário de economia, organizado por Paulo Sandroni (1999), que define a crise econômica como uma “perturbação na vida econômica, atribuída pela economia clássica a um desequilíbrio entre produção e consumo”. Diz ainda que “na economia capitalista […] constitui uma fase regular do ciclo econômico”. 
De acordo com essa conceituação a crise brasileira apresentaria-se de forma clássica já que a fase regular do ciclo econômico, de que fala o dicionário, corresponde à depressão, ou seja, a fase natural de declínio do ciclo de crescimento econômico que não se sustenta indefinidamente pela própria constituição da economia. “A partir desse ponto, haveria um aumento crescente dos preços, uma desorganização no mercado financeiro e de capitais, entrando a economia em processo de contração, pois os preços, que se mantiveram relativamente estáveis durante a fase de prosperidade, apesar da excessiva taxa de juros para os investimentos, já não se revelam rentáveis”.
Se é uma crise econômica clássica não haveria uma responsabilidade política saliente capaz de ferir a governabilidade. Mas a pesquisa traz a corrupção como o segundo ponto mais importante. Então a crise política e econômica denunciada pelos brasileiros pode ser lida por algum viés longe das ideologias, dos partidarismos, dos opinismos e dos interesses relativos? Acreditamos que a única maneira de fazer uma análise séria sobre a situação brasileira atual é recorrer à história nacional e à análise da cena geopolítica mundial.
Iniciamos com a seguinte questão: se a crise é cíclica o atual governo teria poucos recursos de evita-la, já que se trata de um movimento natural da atividade econômica, mesmo que concordássemos que um bom governo poderia antecipar-se e atenuar os seus efeitos. Teríamos ainda como aliada a crise internacional desencadeada pela quebra de instituições financeiras nos Estados Unidos em 2006 e agravada em 2008 que seria, só por isso, um detonador natural da crise brasileira. Mas não o foi. Pelo contrário em 2007 o Brasil apresentou uma taxa de crescimento do PIB de 6,1% e em 2008 de 5,2%, enquanto os EUA apresentaram taxas de 1,1% e 2% e a União Européia 3,1% e 0,5% nos mesmos períodos. Portanto durante a crise que debilitou países na Europa e enfraqueceu diversas economias em todo mundo, o Brasil chegou a uma taxa de pleno emprego em 2013 e 2014 — que teoricamente é o sintoma máximo de saúde econômica de um país.
O que teria acontecido em 2015 para alterar todo o cenário promissor do Brasil? Por que a desconfiança dos mercados, a baixa expectativa dos empresários, a alta inflacionária, o aumento do desemprego e a desvalorização da moeda? Novamente, ou recorremos ao chavão da década de 80 — “a culpa é do governo” — ou consideremos os fatores endógenos (internos) e exógenos (externos) do cenário atual brasileiro.
Para além da verdade dos números anunciados como negativos para a nossa economia, intentamos desmistificar algumas imposições aceitas como verdades por falta de um diagnóstico mais cuidadoso. Ainda que os últimos dados econômicos sejam preocupantes, já tivemos uma taxa de inflação acima de 8% após o Plano Real, em 1996, 1999, 2002 e 2003. No que diz respeito ao câmbio, o dólar já ultrapassou os R$3,00 em 2002, 2003 e 2004. Se estes valores fossem corrigidos pela inflação, o pico teria sido superior a R$8,00 em 2002 e ultrapassado os R$3,00 inúmeras vezes. Convém ressaltar que a inflação só ganha força num cenário de aquecimento de demanda. Nos países em crise a inflação é praticamente inexistente, ou seja, como as pessoas compram menos, não há como aumentar os preços. No nosso caso, o Brasil apresenta uma situação peculiar de inflação inercial que tem muito a ver com aumentos automáticos de preços e, mesmo nesse contexto, o risco de uma estagflação (inflação sem crescimento econômico) não parece provável num cenário de médio prazo, o que sugere que o nível de renda e de demanda da economia brasileira ainda suportaria ultrapassar esse ciclo depressivo. O desemprego, por sua vez, ainda que amargue um acréscimo em relação aos gloriosos 5% atingidos no ano passado, não chega sequer a se aproximar do índice desse mesmo ano de 2002 onde ultrapassou 12%. Neste mesmo capítulo, o salário mínimo no início do Plano Real era, em dólares, US$104,82 e em 2014 US$302,80 e ainda que façamos a conversão do valor do salário mínimo para o contexto da alta cambial, teríamos o salário superior a US$210 dólares.
A teoria econômica explica-nos que os agentes econômicos reagem à expectativa e o aumento ou redução da atividade econômica depende das perspectivas futuras. É compreensível que com o anúncio de uma crise, que já se estende por um período superior a um ano, os empresários brasileiros tenham recuado no planejamento de investimento e contratação e muitos deles tenham iniciado as ondas de demissões na tentativa de proteger os lucros com a redução de custos. Certamente que não é uma boa estratégia para o país e não é errado afirmar que as micro e pequenas empresas ajudaram o país a passar ileso durante a recente depressão mundial, onde os indicadores mostram que esse setor não somente não entrou no clima do pessimismo, mas ao contrário, expressivo número de empresas aumentou o investimento e abertura de postos de trabalho.
Um outro suposto pilar da crise é a taxa de juros. Em outubro de 1997 a taxa básica de juros, a Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), era 47,67%, em 2002 estava fixada em 26,32% e é só a partir de 2006 que observamos taxas inferiores a atual praticada de 14,15%. A atual política de juros do governo poderia gerar uma atração de capital em compensação à reduzida entrada de divisas pelos resultados do comércio internacional, além de ajudar no controle inflacionário e ainda se compararmos a taxa atual com as anteriores, não poderemos negar que houve um esforço de redução. Claro é que como não temos uma inflação de demanda, uma redução da taxa poderia ser benéfica para o mercado de consumo, mas trata-se mais de uma opção econômica que uma decisão para resolver a crise. Por outro lado, se os números atuais não trazem nada de especial com relação aos anteriores e posteriores ao Plano Real, que tipo de nova crise estaríamos vivenciando? Sem dúvida os escândalos recentes envolvendo grandes políticos e empresários não passariam despercebidos aos olhos dos investidores e cidadãos, mas seriam estes eventos de corrupção os maiores da história brasileira? Voltemos novamente aos fatos históricos.
Por durante quase 300 anos o Brasil é palco do gigantesco tráfico e exploração de mão-de-obra escrava. O saque e cercamento de terras, em especial no interior do país, sequer passavam-se como questões judiciais em caso de extermínio completo de famílias e clãs. No ambiente de proclamação da República e pós Independência do Brasil a corrupção durante as ‘eleições’ manteve-se constante com todas as práticas de venda de voto, o voto de cabresto, a degola e o clássico “rouba, mas faz”.
No período militar não se faz segredo sobre as irregularidades licitatórias, desmatamento desenfreado, irregularidades nas estatais e fraudes contratuais, mas eram insignificantes comparados aos ganhos por tráfico de influência e ausência de ordenamento jurídico, como salientado no site contracorrupcao.org. Ainda na década de 70 Jânio Quadros, em resposta ao apresentador Almir Guimarães do programa Pinga Fogo, em 1979, dizia: “Se há país que está precisando de uma vassourada é este! […] porque, que a limpeza é indispensável, concordamos todos. [Falo da] limpeza nas instituições que inexiste ou que não estão combatidas. A limpeza na vida partidária que é fraudulenta e mentirosa. A limpeza na ordem social que é injusta. […] [sobre a corrupção] […] Eu sugiro ao senhor que abra os jornais e veja o que está acontecendo”.
Pela mesma trilha temos o “Esquema PC” na curta era Collor, mas é mais custoso saber que em paralelo à euforia do êxito do Plano Real, a distração do povo não permitiu criticar, como hoje o faz, ações e escândalos envolvendo diretamente o governo federal informadas por diversos sites que listam os esquemas como a extinção, por decreto, da Comissão Especial de Investigação e a instalação da Controladoria Geral da União, subordinada ao Governo, em impedimento à criação de CPI’s. Foi também em 1995 que temos a quebra de monopólio da Petrobrás, o Escândalo Sivam, a instituição do PROER em socorro aos bancos que se alimentou de nada menos que 3% do PIB com o subsequente impedimento de instalação de CPI dos bancos fazendo com que a própria CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) se pronunciasse: “não é justo que se roube o pouco dinheiro de aposentados e trabalhadores para injetar no sistema financeiro, salvando quem já está salvo ou já acumulou riquezas através da fraude e do roubo”.
Não é lenda afirmar que os processos de privatizações, de duvidoso bom senso econômico, tenham sido largamente acompanhados de denúncias de recebimento de propinas tornando famoso o termo ‘propinato’, como o célebre caso da Telebrás envolvendo o BNDES e Ministro das Comunicações. Também, para quem não se recorda, a reeleição só surge no cenário político brasileiro depois do governo de Fernando Henrique Cardoso e o decurso não foi gratuito ocorrendo expulsão e renúncia de deputados. Há outros casos que escapam à nossa memória, como lista o site, como o do Juiz Nicolau, mas não se compara ao grande esquema da DNER com os precatórios. 
Não devemos ignorar que o Plano Real é mérito da equipe econômica do Governo Itamar Franco e que quando questionado sobre a participação de Fernando Henrique Cardoso na criação do plano, o mesmo teria respondido: “Fernando Henrique entende menos de matemática do que eu; entende tanto de economia quanto eu”. O certo é que no embalo do oportunismo, o então candidato à reeleição (inédita até então) usa o slogan “ou eu ou o caos”, pois garantia que somente o seu governo poderia manter a paridade Real/Dólar. Acontece que em seguida à sua reeleição a moeda foi desvalorizada. Os bancos Marka e FonteSidam, após essa medida, apostando na ancoragem do Real frente ao Dólar, anunciam a quebra e recebem o montante de R$1,6 bilhão de ajuda do governo federal.
Sugerimos aos leitores que pesquisem os anúncios de jornais e revistas sobre a miséria, alta de preços, corrupção, contenção de gastos, greves, privatizações, manifestações populares, arrocho fiscal, racionamento de energia, apagões etc. na década de 90. O cidadão brasileiro não se queixou muito quando o mesmo governo decretou a biopirataria por uma bagatela de $4 milhões de dólares, sem direito a royalties, acordo este firmado entre a Bioamazônia e a multinacional Novartis que se apropriou de aproximadamente 10 mil microorganismos da fauna brasileira. A lista se prolongaria exaustivamente se todos as denúncias fossem aqui narradas, como o do TRT paulista, da Encol, do impedimento da Reforma Tributária, da SUDAM (transamazônicas), dos desvios da SUDENE, do calote do FUNDEF, do governo sob Medidas Provisórias, do desmatamento autorizado da Amazônia, do naufrágio da indústria naval e das fraudes do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). A explosão da dívida pública, o uso de verbas do BNDES para auxílio das ex-estatais, agora já para os novos donos capitalistas, e uma série de outras medidas que prejudicaram a classe trabalhadora também se somam à lista da crise invisível.
Salientamos que as políticas habitacionais foram paralisadas por 2 décadas gerando um déficit habitacional que contribuiu para a elevação dos aluguéis nas grandes cidades brasileiras. Por fim, e o que considero extremamente importante, é que nessa época o Brasil por 3 vezes teve de recorrer ao FMI (Fundo Monetário Internacional). Em 2002, pasmem, as nossas reservas em dólares era de pouco mais de $17 bilhões (tomados emprestados). Atualmente temos mais de $370 bilhões em divisas. As reservas internacionais representam a garantia de liquidez de um país na quitação dos compromissos firmados em moeda estrangeira, além de estabilizar a moeda interna e proteger o país dos ataques especulativos. Ao contrário dos governos anteriores à década de 90, estas dívidas contraídas com o FMI foram quitadas antecipadamente em 2005.
Voltemos ao início. Quais seriam mesmo as razões desta atual crise? Não havia antes inflação, estagnação, corrupção, juros altos e desemprego em patamares ainda piores? Qual seria a grande novidade no palco brasileiro para anunciarmos uma crise? Rebaixaram a nossa nota? Este é um ponto que vale esclarecer.
A agência Standard & Poor’s tem a função de avaliar empresas e países sobre as capacidades reais de honrar seus compromissos financeiros. Recentemente esta agência reduziu a nota do Brasil de BBB para BBB- e em seguida para BB+. Há três questões a considerar relativo a este fato. Em primeiro lugar, esta é a mesma empresa que pagou uma multa ao Tesouro Americano superior a $1 bilhão de dólares num processo movido pelo Departamento de Justiça dos EUA, pois a agência parece ter mascarado os verdadeiros riscos dos subprime e, nesse sentido, coadjuvante no desencadeamento da crise internacional que ainda assistimos. Em segundo plano, não é demais lembrar que ainda que a nota tenha sido rebaixada, o patamar que coloca o país em condições de investimento (BBB) só foi atingido em 2008. Por último, os critérios de avaliação da agência não é tão exata quanto parece. A exemplo disso a Itália que possui uma dívida maior que o PIB (130%) e com panorama de crise que perdura há anos, possui nota mais alta que o Brasil. Há que se questionar se a agência é mesmo isenta de qualquer interesse ou parcialidade já que anunciava ex-ante o ‘possível’ rebaixamento do Brasil gerando um alerta aos investidores que poderiam ter antecipado a retirada de capital, reduzido os investimentos, rescindindo contratos etc. Neste caso, a P&S poderia ter antecipado os efeitos antes de uma causa efetiva.
Considerando que este treino de memória é minimamente suficiente para compararmos o Brasil de ontem e o Brasil de hoje, existem sim algumas situações que tornam esse momento específico propício para a instauração de uma crise interna. A crise internacional, certamente, não pode ser esquecida já que impede que as respostas às medidas da política econômica e do mercado interno sejam respondidas ou atendidas imediatamente pelo mercado externo, mas há um ponto que merece uma atenção especial.
Se observarmos os indicadores econômico-financeiros do país, constataremos que há uma instabilidade em 2002. Este ano tem em comum com 2014/2015 pois representam mudança de governo. Ainda que no primeiro caso tenhamos uma mudança brusca com a subida ao poder de um governo nominalmente de esquerda, a reeleição da atual presidente marca uma divisão do país por questões ideológicas, mas principalmente nas prioridades político-econômicas. O número expressivo de eleitores que além de não ter votado na Dilma eram, boa parte, ‘anti-Dilma’, ‘anti-Lula’ ou ‘anti-PT’ criou um clima de desassossego alimentado pelos partidos de oposição cujos interesses foram atingidos ou colocados em risco por muitas formas. Não esquecemos que durante mais de 500 anos tivemos governos voltados para a elite e subordinados aos países dominantes, com curtos intervalos de totalitarismo populista ou tentativas de ruptura. Notadamente o atual governo não rompe absolutamente com este ciclo, mas prenuncia uma trajetória de descontinuação, gerando instabilidade e uma era de enérgica apreensão. Notoriamente, a crise do governo pode ser resumida em uma única palavra: desarticulação; agravada pelas deficiências de diálogo, fragilidade da base e aliados, crise de legitimidade, aparente ausência de estratégia e impopularidade.
Em nossa análise conjuntural, não apresentamos os números relativos à pobreza, transferência de renda, habitação social, reforma agrária, miséria, desigualdade da riqueza, mortalidade infantil, expectativa de vida, analfabetismo, abertura de escolas, universidades, hospitais etc. Por isso o leitor que queira concluir sobre estes pontos encontrará vasto material disponível que o ajudará a debater os atuais indicadores sociais comparados na nossa história recente. O subjetivismo das nossas análises, caso soframos refutações, está subordinada a números e dados objetivos tornando uma maneira fácil de apropriar-se das informações e concluir, cada um, de acordo com suas posições. É importante agora que passemos para a arena política a fim de descortinar o curioso caso da atual crise brasileira.
O Brasil conquistou posição em importantes comissões e instituições internacionais e igualdade de condições junto ao FMI e OMC, alterando a sigla para BRIC, por exemplo, assim como faz parte dos G20 e busca um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas no G4 e é ainda a 7ª economia mundial. Por certo cria-se estranheza a outros países quando o cidadão brasileiro insulta a Presidente da República, eleita democraticamente, com termos chulos que fazem duvidar da maturidade política da população. O inconformismo compreendido pelos rumos desastrosos do país carece de uma análise madura acerca da montagem real da conjuntura brasileira e de, em especial, da estrutura político-econômica que se definha há décadas.
Não se identifica a cobrança por reformas profundas como a reforma política e tributária. Não se fortalece os dispositivos criados e mantidos para a apuração e abertura de processos contra a corrupção, onde, inclusive, os existentes nem mesmo pouparam os membros do próprio partido do governo. Talvez esqueçam que a Lei Complementar nº 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal foi sancionada somente em 2000 com aplicação a partir do ano seguinte. Até então não existiam sistemas eficientes, rastreamento ou comunicação eficazes entre diferentes procedimentos contábeis e tributários da administração pública. Em 2009 temos ainda a Lei de Transparência, Lei 131/2009, que complementa aquela e permite que os cidadãos fiscalizem e acompanhem em tempo real a movimentação financeira nos sites governamentais através dos portais de transparência. No mesmo raciocínio, a tecnologia atual e o poder de comunicação global afeta tanto a descoberta de fraude quanto a rapidez em sua divulgação. Muitos instrumentos de apuração foram criados e poucos são conhecidos pela população, inclusive sobre o incremento de investimento e modernização nesses setores.
O que nos vem hoje à tona é a herança de séculos de coronelismo político, de manutenção de um poder que enriqueceu patrimônios, grupos econômicos e clãs políticos. Suavemente assentados na poeira da burocracia antiquada do passado, não causava reações à população que por longo tempo contentou-se em fazer piada da roubalheira. Também não me recordo que algum outro presidente tenha sido agraciado com tantos verbetes desprezíveis e ligados às questões de gênero, tornando nítido o machismo na cultura brasileira.
Os interesses internacionais sobre o Brasil, especialmente aqueles representados pelo capital financeiro e exploração de recursos naturais pelos países desenvolvidos, não puderam todos ser satisfeitos pelos governos recentes, pois a moeda de troca que nos ofereciam não nos brilha mais os olhos. Foi assim a mudança do marco regulatório do pré-sal que não agradou quando a Petrobrás passa a ser única operadora e detentora de 30% nos blocos licitados. Também não foi recebida com simpatia o decreto protecionista do governo brasileiro que taxou 100 itens fabricados em território nacional. O discurso de liberdade foi inflamado por países que só são liberais no discurso, mas a fronteira e o protecionismo é sempre presente. Outras medidas impopulares aos olhos do mundo ajudou a destronar o Brasil do título de ‘queridinho’ como a mediação do acordo nuclear com o Irã e o convite à Venezuela para integrar o Mercosul.
Ainda sobre a cobiça internacional, não é preciso muita sagacidade para entender como a desvalorização do Real também beneficia aqueles que desejam comprar ações nacionais a preço de banana, assim como qualquer ativo avaliado em termos de moeda interna, como títulos e a própria moeda. Não foi por acaso que o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) anunciou a investigação de instituições financeiras depois de comprovadas as fraudes de manipulação com a moeda brasileira que levou ao aumento histórico do dólar no início início dos anos 2000. Nos EUA, bancos pagaram US$ 5,8 bilhões por manipulação cambial num processo de mais de cinco anos onde houve admissão de culpa por parte da maioria deles que hoje são os mesmos envolvidos na atual investigação no Brasil.
Mas há ainda outros aspectos sobre a alta do dólar e desvalorização da moeda interna. Os déficits da balança de pagamentos do Brasil não poderiam resistir mais à política dos EUA de aumentar a oferta de dólares — e consequentemente desvalorizar o dólar — no mercado afetando o preço e a competitividade dos bens e serviços brasileiros no mercado externo. Ou seja com a moeda interna valorizada (o Real) os nossos produtos voltados para a exportação perdiam competitividade e os produtos importados enfraqueciam ainda mais a indústria nacional. Era um freio à competitividade da indústria e um desincentivo ao investimento.
A decisão de mexer na taxa de juros para amenizar os efeitos negativos do dólar subvalorizado levou a mensagem aos investidores de uma falta de confiabilidade do governo sobre os pactos anteriores firmados. É sabido que a desvalorização da moeda interna favorece o comércio exterior em termos concorrenciais e produz resultados positivos na balança comercial, onde a repercussão já pode ser sentida com a redução do déficit. Com uma reserva de divisas considerável, poderia ser estratégia manter uma taxa de câmbio mais elevada — o que não justifica o valor atual que parece estar recheado de um ataque especulativo e efeito de represália de grupos, países e investidores do mercado internacional.
Compreendemos que não é correto afirmar simplesmente que o dólar subiu. O que havia era uma sobrevalorização do Real e uma grande oferta do dólar, denunciadas há anos por economistas que defendiam um patamar seguro do câmbio de mais ou menos R$3,50. O tão famoso Custo Brasil, p.ex., seria milagrosamente reduzido com essa medida. Os déficits acumulados na Balança de Pagamentos poderiam também ter sido revertidos com a desvalorização controlada do Real. O que não se esperava é que a desvalorização ocorreria nessa velocidade e direção.
À reboque, a temível vilã brasileira chamada inflação parece ressurgir na vida dos brasileiros por um descontrole do governo. De fato, além do componente dos bens importados que sofrem com a flutuação do câmbio, alguns ítens puxaram a alta inflacionária como o combustível e a eletricidade. Mas estes dois bens não receberam medidas de elevação de preço na realidade. O que houve foi um processo duplo. No primeiro, o governo cessou o controle dos preços da energia, como o faz com o combustível, transporte e uma lista de mais de 20 itens. No caso da energia elétrica, a crise hídrica fez com que os gestores acionasse as termoelétricas que possuem um custo funcional muito elevado, contribuindo para a liberação dos preços. Além disso, os acionistas das empresas de energia têm os seus contratos firmados em dólar.
No caso dos combustíveis, estes possuem controle de preços porque são fornecidos pela Petrobrás. Contudo essa política tem levado a estatal a perdas, pois como não somos autossuficientes em petróleo, precisamos importar a um preço (com taxas e impostos) e revender mais barato ao consumidor final. O prejuízo já alcançou R$55 bilhões. Como a energia e o combustível é matéria-prima da indústria em larga escala, o aumento de custo foi largamente sentido pela população e capturado pelos índices que medem o comportamento da inflação.
É importante que se dê menos peso a comentários sobre os preços inferiores do combustível em outros países. Nenhum sistema de preços entre países pode ser comparado sem considerar a paridade poder de compra, conhecer o poder aquisitivo de uma moeda em função de um determinado bem ou outra moeda, a taxa de câmbio, o controle de preços, o nível médio de renda, o salário mínimo, etc. pois são fatores que mascaram a simples comparação. Outro fato importante é que a estratégia dos países é fazer reservas estratégicas de combustível de longo prazo, tornando as flutuações dos preços internacionais insensíveis no curto prazo.
As últimas medidas tomadas pelo governo anunciando a retomada de ajuste fiscal e controle maior nos gastos foram sentidos pela população. Sabe-se que tais ações são impopulares e favorecem ainda mais o clima de revolta e pessimismo, mas o controle interno é preferível ao controle externo por bancos e países estrangeiros, como no passado. Num ambiente de economia global e poderio do capital financeiro a lição a ser aprendida é que promessas só poderão ser cumpridas se os abutres não nos perturbarem a ordem das políticas internas.
De fato, o brasileiro está certo quando percebe a presença da inflação, da corrupção, dos juros altos, do desemprego e da subida do dólar, mas pecam nas conclusões perdendo assim boa parte do aprendizado para a superação da crise. A inflação do Brasil é tradicionalmente inercial, ou seja, responde por indexações automáticas dos preços de alguns bens e serviços essenciais. Nesse sentido, com a alta do dólar, há um reajuste automático de todos os produtos e serviços que possuem componentes do mercado exterior. Somando-se a isso, a liberação dos preços dos combustíveis altera quase que a totalidade dos preços dos produtos já que quando não entram na composição direta por meio dos derivados do petróleo, são encarecidos pelo frete. Muitos se lembrarão dos aluguéis reajustados automaticamente pelo salário mínimo, substituído hoje pelo IGP-DI.
Mas ainda falando nos preços que parecem ser determinados diretamente pela Presidência da República, de fato não o são. Apenas 23 itens compõe a lista de produtos controlados pelo governo. Ouvimos repetidamente sobre a carga de impostos monstruosa do Brasil, encarecendo os produtos e serviços. Não se tem a mesma divulgação do anúncio da simplificação e redução dos impostos pela Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, p.ex., pelos incentivos fiscais que ocorrem de tempos em tempos e ainda menos do nível de sonegação das grandes empresas. O chamado Custo Brasil deveria ser sempre confrontado com o Lucro Brasil pois é público e notório que ainda que se retire 100% dos impostos e taxas dos carros e dos produtos de alta tecnologia, p.ex., teríamos ainda preços exorbitantes comparados aos internacionais. Da mesma maneira, não percebemos reduções nos preços quando há incentivos governamentais e temos uma explicação bastante plausível do presidente da PSA Peugeot/Citröen; o executivo Carlos Gomes explica: “por que baixar se o consumidor paga”? De fato, quase R$80 bilhões deixaram de entrar nos cofres públicos a título de desoneração fiscal somente nos últimos meses.
Sobre a exaustiva afirmação da abusiva carga de impostos do país, não se despreza a necessidade urgente de uma ampla reforma tributária, impedindo a sonegação, aliviando os mais pobres, taxando fortunas, incentivando investimento etc. Mas nós brasileiros talvez não saibamos que o público, na grande parte dos países, e em especial dos países da Europa e EUA, não é sinônimo de gratuito. A população que utiliza o sistema público de saúde paga taxas moderadoras que podem ser muito altas dependendo do país. O mesmo se dá para a educação, especialmente do ensino superior, tendo as famílias de recorrer às suas poupanças pessoais. Na educação básica o sistema funciona em parceria financeira quando alimentação, vestuário, livros e outras taxas não estão incluídas na gratuidade. Nas dimensões do Brasil, com suas diferenças regionais e estruturais, com necessidades de investimentos pesados em infra-estrutura e em problemas primários já vencidos pelos países desenvolvidos, o custo social é significativamente alto. O serviço público dos sonhos observados em alguns países nórdicos demanda uma alta carga de impostos, superior à brasileira.
Os itens apontados pela população, quais sejam, a inflação, a corrupção, os juros, o desemprego e o dólar são como fantasmas que rondam o sonho dos brasileiros, notavelmente quando estão prestes a acordar e constatar uma presente realidade. Infelizmente as forças externas são imprevisíveis pelos jogos e ataques especulativos e interesses externos de nações dominantes e das grandes corporações. Neste momento, comandados pela emoção do capital especulativo, agem sem qualquer previsibilidade enquanto assistem o desenrolar das medidas e decisões políticas do Brasil e de outros governos.
Por sua vez, nós brasileiros podemos contribuir com a instabilidade anunciando o pânico e culpabilizando o governo federal por todas as questões ou aprendamos juntos essa lição sobre como as questões econômicas estão interligadas de maneira que a soberania nacional seja um discurso relativizado pela dependência de todos às grandes corporações que governam o mundo e mudam os rumos de países ao sabor dos seus interesses. Se houver a permanência no hábito de alimentarmo-nos de informações viciadas em opiniões compradas ou vendidas por interesse escusos, estaremos sempre à mercê de interesses divergentes e, como ecos, repetiremos reivindicações carregadas de erros ou inércia.
As críticas ao governo nunca foram tão bem recebidas e não devem ser emudecidas, mas que se levantem as bandeiras que efetivamente guiarão o país para um patamar seguro e mantenham a luta para a construção de um país cuja corrupção agora apresenta-nos a sua face. Parece-me que nesta hora o inimigo dos brasileiros tem face, tem nome e tem endereço, como indicia o economista e autor de mais de 40 livros: “O Brasil tem cerca de US$ 520 bilhões evadidos em paraísos fiscais, segundo estima da revista britânica The Economist”. Ladislau Dowbor fala à Agência de Notícias IPS sobre as condições adversas que compreendem a eleição de “numerosos parlamentares e membros dos poderes executivos com o apoio financeiro de grandes empresas, um Congresso dominado por bancadas de setores poderosos, como os ruralistas, e a concentração dos meios de comunicação em apenas quatro famílias”. Continuando diz que “o Brasil tem um desequilíbrio fiscal estrutural, cuja origem muitos identificam no contrato social constante da Constituição de 1988”.
De fato o estado de bem-estar social prometido pela Constituição Brasileira esbarra num sistema tributário ultrapassado, numa categoria política ainda voltada para os interesses da elite, em uma classe média que se divorcia da classe baixa e dos serviços públicos e, ainda, no atraso das reformas estruturais que posicionariam o Brasil a um lugar de destaque quando dermos início ao amadurecimento político, econômico e social capaz de levar o país a uma organização econômica e social superior.
Neste momento que escrevo este artigo estou na biblioteca de uma Universidade que completa 725 anos. A jovem biblioteca, de pouco mais de 500 anos, faz-me pensar sobre os problemas primários que o Brasil ainda tem por resolver já que por quase toda a sua curta história fomos fornecedores de riqueza para os países que hoje discursam sobre sua superestrutura política ignorando as nossas necessidades internas de levar água e estradas à regiões ignoradas nos roteiros de viagem dos grandes guias. É possível, a partir das grandes janelas desta biblioteca, contemplar monumentos que contam a história desse país. Então penso sobre as possibilidades do Brasil que tem a chance de criar seus próprios monumentos, de reescrever a sua história e fortalecer-se perante o jogo sujo do capital especulativo e dos usurários exploradores de nossas riquezas.
Esta crise não é uma luta entre direita e esquerda, PT x PSDB, mas uma guerra muito maior entre o capital internacional e o Brasil independente (de fato). Ou unimos-nos ou afundamos. A direção é para frente, não para a direita, esquerda ou para trás. Abandonemos a nostalgia caduca que nos faz levantar falsas bandeiras sobre um passado que, de fato, nunca existiu. Devemos ter cuidado com os anunciadores da crise que se beneficiam dela ampliando suas fortunas. Para se ter uma ideia, um dos conselhos de algumas empresas de consultorias financeiras é aplicar o dinheiro fora do Brasil e isso é uma severa ameaça para a já fragilizada moeda brasileira. Ora, isso poderia ser uma salvação egoísta (não fosse o fato da crise ser internacional e poucos países ou nenhum estar à salvo) seria, por outro lado, um suicídio nacional coletivo com o enfraquecimento ainda maior da moeda e dos investimentos já que a poupança e aplicações são a sua base.
Independente das nossas posições político-ideológicas, independente de apostarmos neste governo ou o detestar, com todas as críticas que podemos fazer à condução da política econômica, não esqueçamos nunca de que o Brasil é a nossa pátria e que muitos países considerados ricos estão em situações ainda piores e mascaram muito bem a realidade. Cuidado com os alarmes. Os especuladores assim agem favorecendo as expectativas que eles compraram no jogo sujo das apostas (mercado futuro etc.). A crise poderá ser aprofundar, mas não pensem que ela mora no Brasil. As críticas devem ser para um país melhor e não para afunda-lo ou entregarmos aos especuladores. Não há lugar para todos em Miami. Os que aqui ficarem pagarão as consequências. Os que forem, se forem, aprenderão rápido que fora da nossa pátria somos meros estrangeiros em busca de um paraíso que nunca existiu.