sexta-feira, 19 de abril de 2013

Vontade de potência - de Marx a Nietzstche


Afirmamos que este trabalho parte da tese marxiana de que o início da história do homem dar-se-á quando a humanidade libertar-se das formas contraditórias de produção social. Contradições inerentes ao sistema que se confrontam com a sua própria evolução.
“O que é a sociedade, qualquer que seja a sua forma? O produto da ação recíproca dos homens. Os homens são livres para escolher tal ou tal forma social? Absolutamente não. Ponha um certo estado de desenvolvimento das faculdades produtivas dos homens e terá tal forma de comércio e de consumo. Coloquemos certos graus de desenvolvimento da produção, do comércio, do consumo e teremos tal forma de constituição social, tal forma de família, de ordens ou de classes, em uma palavra, tal sociedade civil. Coloquemos tal sociedade civil, e teremos tal Estado político, que é apenas a expressão oficial da sociedade civil.” Karl Marx, 1847, Miséria da filosofia

Ora, essa falsa sensação de liberdade nos prende a um modo de vida naturalizado que se propõe perene. A escravidão real apesenta-se com um novo revestimento de um caráter voluntário. A escravidão do trabalho, a escravidão da devoção às convenções, formalidades e contratos, a escravidão da beleza, do status e da corrida ao sucesso, a escravidão do ensino formal, das regras ilegítimas etc. A única liberdade que podemos esboçar é a de liberar a potência humana para o desenvolvimento da sociedade por meio da riqueza, tecnologias e das relações humanas que terão como base o comunismo das ideias, dos saberes e do trabalho humano propriamente dito.
“Sob o ponto de vista biológico, as imposições legais são restrições da vontade de viver propriamente dita, a qual tende à dominação, e estão subordinadas a essa tendência geral, não como arma para a luta, senão como arma contra a luta, como alguma coisa enfim que fosse conforme o clichê comunista de Dühring, como uma regra que nivelasse todas as vontades, e teríamos então um princípio hostil à vida, um fator de dissolução e de destruição do homem, um atentado contra o futuro do homem, um sintoma de cansaço, um desvio que levaria o nada.” (NIETZSCHE, 1901)
O capitalismo criou todas as condições materiais indispensáveis para que a humanidade alcançasse o primeiro horizonte que a utopia contornou. O trabalho humano, ainda que alienado, acumulou conhecimentos e saberes que formam a base da superação do sistema. Porque as contradições inerentes ao sistema tem de um lado o desenvolvimento das forças produtivas e, do outro, a configuração social que ele esboça e que, na sua evolução, busca uma autonomização que não é possível sem a ruptura total. Por isso as revoluções, não aos moldes marxistas, mas as revoluções que a própria tecnologia, que as relações e que os espaços coletivos promovem. O homem deseja libertar-se, mas tornou-se dependente de um sistema que o oprime e o limita. Busca superá-lo, mas isso não será possível até que todas as bases estejam construídas para que outro sistema emerja. Será este o legado patrimonial constituído pelo homem da pré-história da civilização.
Acontecimentos recentes provam que a capacidade humana dada pelo conhecimento depositado pela capacidade tecnológica, supera e é capaz de recompor suas bases materiais de maneira espetacular. Nesse sentido não queremos, de maneira alguma, a destruição das máquinas! Queremos que elas nos sirvam não para o domínio político ou econômico, mas simplesmente para liberarmo-nos das obrigações castradoras e frustradoras das atividades mecânicas, liberando as nossas capacidades para a construção da felicidade. Antecipando os questionamentos da formalização científica, esta felicidade deve ser entendida como a forma de operar a vida de acordo com as contribuições positivas que serão dadas à sociedade como uma quota de nós mesmos, daquilo que temos de mais valioso e que, por isso mesmo, o legado de nossas vidas enquanto individualidades – únicas e sociais, porque contribuintes da vida e cocriadores do universo.
Esse caráter individual e social funde-se num só caráter – o caráter humano – que produz vida refletora da sua natureza – que é a potência criadora universal e permanente da felicidade transcendente da realidade. Cada um contribuindo de acordo com as suas vontades e com as necessidades coletivas caracterizaria o novo homem em seu novo mundo.
Essa realidade transcendente só pode acontecer quando o homem aprender a utilizar a educação livre como seu meio de liberação do domínio mental e limitador e que impossibilita o autoconhecimento. É a nova ciência a chave para o autoconhecimento, mas cabe a cada um libertar-se para essa nova possibilidade. E isso só será possível quando pudermos entender que a coesão que fortalece os mecanismos de poder é a grande hipnose mental que entorpece e retarda a nossa marcha rumo a essa realidade que nos espera para a sua construção.
Estamos adormecidos porque essa força de coesão nos alimenta e gera a grande confusão da modernidade: a vida passa a ser sinônimo de sobrevivência. Esse despertar é o chamado da pós-modernidade que será possibilitado pela marcha incessante dos movimentos da vida que se faz acelerado pelas novas possibilidades que o homem sequer tem consciência de que é quem as produzem.
O homo politicusrenascerá em sua vocação, não como homem da máquina pública e executor de poder, mas como homem novo cuja potência criadora é para servir aos homens pela potência política. O homem constituído pela política institucional é o homem castrado em sua essência e que será cassado por sua inutilidade social, assim como o homo oeconomicus perderá a sua centralidade no mundo, sendo deslocado para as atividades da indústria ao lado do homo faber e servirá aos homens em suas necessidades materiais e sensoriais. O homem que utiliza o econômico para a dominação dos homens e suas necessidades, será o homem castrado em sua essência e cassado pela inutilidade social. Finalmente, o homo sapiens que utiliza o conhecimento para a manutenção do estado de dormência do homem e que serve à indústria em detrimento da vida e à política em detrimento da liberdade será o homem castrado em sua essência e cassado pela sua inutilidade social.
A castração do homem em sua essência implicará, assim, em sua inutilidade social porque o homem, por definição, é o cocriador do universo e, portanto, da vida e somente suas vocações éticas serão úteis ao universo. Toda função forjada pelo domínio e pela técnica servidora de domínio – sejam econômicos, sejam políticos – será inutilizada pela incoerência social que se incumbe de castrá-lo até que se reabilite a esse novo contexto. Que ele aprenda a se libertar das amarras da moral e que se transforme no homem da ética cujo único compromisso é transformar o caráter para a construção da felicidade.
Nenhuma imoralidade fará qualquer sentido porque qualquer destruição social será a tentativa de destruição da vida – violação dos princípios fundamentais da ética e, por isso, uma insanidade tratada por meio da saúde e não pela coerção. É a ignorância a produtora de descaminhos e não o homem, então ela é que deverá ser combatida e não o humano. O princípio da violência é o princípio já caduco por sua própria definição, assim como o princípio do domínio cairá nas amarras da inutilidade dada pela inoperância no novo homem.
Assim, essa nova geração de indivíduos que se desponta por novas características observadas pela psicologia transcendental nos ensinará que os caminhos que nos mantém reféns da dominação disciplinar alcançaram um labirinto infindável que não terá saída em qualquer uma de suas possibilidades. É a mente que se nega a dominar. É o sentido que teima em se libertar. É a negação que exige fundamentação. É a justiça que se torna inerente ao ser tornando ilegítima a legalidade instituída pela frieza da lei. É a criação que domina a disciplina. Em suma, é a educação que será reescrita pelos simulacros perfeitos que é a nova geração – a nova mente humana – a humanidade.

Não é sinal de saúde estar bem ajustado a uma sociedade profundamente doente.
J. Krishnamurti
 Embora o capital financeiro seja  o pano de fundo deste vídeo, propomos uma introdução sobre o econômico no próximo texto.